segunda-feira, 26 de abril de 2010

Quando a razão é sua inimiga mais íntima

Poucas foram às vezes em minha vida que pensei como eu mesmo, e, em todas essas malditas vezes, estava sendo influenciado. Não sei se há um linear entre aquilo que pensamos que existe e a realidade em si, pois, de acordo com alguns caras na qual ouvi falar, nossa percepção do mundo é a única realidade importante. Mas, se tenho certeza de alguma coisa, é que certamente existo em muitas versões.
Quando digo versões, não quero falar sobre altos e baixos, ou sobre ser aquilo que pensamos que queremos ser em algumas ocasiões, só para tomar posição em alguma ideia mirabolante para seu cargo na sociedade. Quando assim falo, é sobre pensamentos, mas daqueles que gosto de chamá-los de alternativos. Alternativos porque sempre nos levam para soluções simples que em outras versões seriam bem complicadas, como naquela que dizemos olá a uma estranha apenas para pedir um cigarro emprestado, mesmo quando não fumamos, ou pior, quando odiamos quem fuma.
Encaro a saudade como um pensamento, passando despercebida pelas distrações do dia-a-dia, vindo à tona pelo simples olhar de alguém andando pela rua, ou por uma delicada música num comercial mal feito, onde você não conseguia identificar sobre do que se tratava mesmo antes de esquecer o que iria fazer. Mas o fato aqui não é uma ilusão das divergências de cada realidade pela qual passamos. Aqui, é um lugar que esperamos chegar para quem sabe ver o passado se tornar o presente ou talvez o esquecer de vez.

Lafusa, em sua canção “Ato chuvoso”, começa com umLafusa desenrolar enfatizado nos instrumentos, como se estivessem saindo de algo profundo, ou voltando de muito longe. Quando ficam bem nítidos, uma voz masculina, que recebe toda a atenção do momento, entoa:
“Essa chuva que cai sem parar
No peito a trégua do mar
Não sei por aonde ir”
A chuva, logo depois explicada como figurativa através da expressão “trégua do mar”,  indica algo que está incomodando, atrapalhando, pois, se cai sem parar, relativamente estamos lidando com uma situação onde há o desejo de que ela se esgote. A trégua do mar significa que está nos limites de sua luta, na barreira de um interminável e invencível caminho da qual o levará contra o que ou quem ele deseja estar.
A parte mais significante nesta estrofe, é o fato de dizer “Não sei por aonde ir”. Pois, ao dizer isto, ele figura um pedido de socorro. Mas, a quem?
Sou daqui e sei tão bem
Que o céu já se cansou de insistir
Nas coisas que não é capaz”
De onde é? Não importa, pois não há escapatória, não é um lugar agradável a ele. É uma prisão, encurralado por si, mesmo tendo a ajuda daquilo que considera superior, que, depois de muito tempo, desistiu de fazer dele algo melhor; seja fazendo com que sua percepção do que ele considera ser uma prisão mudasse, seja tentando o guiar para longe daquela praia deserta – e deserto neste caso, não significa sozinho, mas sem seu principal anseio.
Não sendo capaz disso, começa a chover, não pode mais segurar aquilo que tentava conter, deixando-o sem direção.
“Então tem dó de mim
Meu bem, não fique assim
A chuva trouxe o fim
O nosso fim”
Seu pedido se torna em súplica, pois o socorro que ele tanto necessita é apenas uma decisão daquilo que ele mais deseja, de seu precioso bem. Será isto o seu céu? O cansaço que desabrochou no fim do que havia entre ele e seu querer nada mais fez para continuar ao seu lado. Isso pode ter ocorrido tanto por não haver mais forças quanto por se sentir impotente, pois até aquilo que era majestoso e superior – sendo si próprio ou sendo algo ainda distinto – se sentisse ser incapaz.
Até neste ponto, não havia terceiros, não havia réplica em sua desesperada fuga das condições intermináveis. Então, em algumas batidas, representadas como a global dança da chuva, podendo simbolizar o nível da idolatria que sua mente atingiu, perante o foco da chuva ou de seu causador, fazem surgir outras duas vozes. Igualmente masculinas, elas sobrepõe a primeira, com dizeres muito mais duros e convictos, bradando na hipótese de que há ainda uma longa jornada até o destino final.
Lá fora chove
Chove lentamente, vigorosamente
Parece que a noite recua… e se acanha
Meu coração devaneia entre o passado e presente
E o futuro, quem sabe virá
Isto introduz um aspecto que aqui chamo de versão, pois é a partir daqui que ele tomará sua posição ofensiva da situação, de forma a se comportar como outro alterego. Neste momento, sua nova percepção faz com que mais distante fique da realidade externa do mundo em que vive. Onde a transposição de uma perda de sanidade para uma depressão é sutilmente separada.

Em
 United States of Tara, suas personalidade são alteradas de acordo com 
situações pesadas e dramáticas, que servem de gatilho para as 
incidências.Em psicologia, o fenômeno de se possuir várias  personalidades recebe uma classe chamada de distúrbio das múltiplas personalidades, onde é um dos mais complexos campos do ramo. A controvérsia em definir, mesmo entre os doutores desta ciência, um padrão distinguindo de fato as vítimas deste transtorno, sempre causou polêmica no meio artístico. Podemos citar desde filmes clássicos como As Três Faces de Eva (1957), retratando uma época onde até os psicólogos eram vistos com maus olhos pela sociedade, até séries que estão sendo feitas, como United States of Tara, onde uma mãe de família tem diversos problemas sociais por sofrer com esta doença mental.

Lá fora chove
O asfalto parece um espelho
Reflete meu corpo molhado
Molhado de saudade
Do amor que era e não foi compartilhado...
Lá fora chove e você?
Está refletindo sua luz aonde?
Nestas palavras, onde os instrumentos se intensificam, uma alternância ocorre. Ao pronunciar as palavras "Do amor que era e não foi compartilhado", sua posição de defesa se converte em um ataque questionador e justificativo, chegando a cobrar algo daquela que pode mesmo até não estar ouvindo este desabafo.
Sonhar, cantar e musicar...
É assim que sei...
Numa simples divagação ocorre a pausa do "Ato", assim compreendido pelo nome da música, onde a versão superior parece acalmar-se, como se nada mais havia para ser dito. A música termina ao som de um toque telefônico. Seria este toque a emersão de sua principal característica ao mundo externo? Ou ainda seria uma última tentativa de seu céu para contemplar a sanidade daquele que está preso à trégua do mar?

Esta música, cantada com maestria em caracterização, adaptação e referências tais que não pude citá-las todas, é uma ótima oportunidade para se compreender a necessidade de conhecer os aspectos da consciência humana, mesmo não sendo possível chegar a uma percepção real do que realmente ela é.

Se o passado soubesse de tudo, talvez não errasse tanto no presente e talvez não pensasse tanto no futuro.

2 comentários:

  1. sensacional sua análise cara! sou o compositor da canção. fiquei muito feliz em encontrar isso aqui. escute o novo disco www.lafusa.net! abraço aloizio michael

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  2. Ow. Obrigado, nunca pensei que eu teria alguma audiência. Ótimo CD o novo! "De perto ninguém pode ser tão feliz, tão cruel, tão amável e fiel"
    Alguém pode me dizer como tirar da cabeça?

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