segunda-feira, 26 de abril de 2010

Quando a razão é sua inimiga mais íntima

Poucas foram às vezes em minha vida que pensei como eu mesmo, e, em todas essas malditas vezes, estava sendo influenciado. Não sei se há um linear entre aquilo que pensamos que existe e a realidade em si, pois, de acordo com alguns caras na qual ouvi falar, nossa percepção do mundo é a única realidade importante. Mas, se tenho certeza de alguma coisa, é que certamente existo em muitas versões.
Quando digo versões, não quero falar sobre altos e baixos, ou sobre ser aquilo que pensamos que queremos ser em algumas ocasiões, só para tomar posição em alguma ideia mirabolante para seu cargo na sociedade. Quando assim falo, é sobre pensamentos, mas daqueles que gosto de chamá-los de alternativos. Alternativos porque sempre nos levam para soluções simples que em outras versões seriam bem complicadas, como naquela que dizemos olá a uma estranha apenas para pedir um cigarro emprestado, mesmo quando não fumamos, ou pior, quando odiamos quem fuma.
Encaro a saudade como um pensamento, passando despercebida pelas distrações do dia-a-dia, vindo à tona pelo simples olhar de alguém andando pela rua, ou por uma delicada música num comercial mal feito, onde você não conseguia identificar sobre do que se tratava mesmo antes de esquecer o que iria fazer. Mas o fato aqui não é uma ilusão das divergências de cada realidade pela qual passamos. Aqui, é um lugar que esperamos chegar para quem sabe ver o passado se tornar o presente ou talvez o esquecer de vez.

Lafusa, em sua canção “Ato chuvoso”, começa com umLafusa desenrolar enfatizado nos instrumentos, como se estivessem saindo de algo profundo, ou voltando de muito longe. Quando ficam bem nítidos, uma voz masculina, que recebe toda a atenção do momento, entoa:
“Essa chuva que cai sem parar
No peito a trégua do mar
Não sei por aonde ir”
A chuva, logo depois explicada como figurativa através da expressão “trégua do mar”,  indica algo que está incomodando, atrapalhando, pois, se cai sem parar, relativamente estamos lidando com uma situação onde há o desejo de que ela se esgote. A trégua do mar significa que está nos limites de sua luta, na barreira de um interminável e invencível caminho da qual o levará contra o que ou quem ele deseja estar.
A parte mais significante nesta estrofe, é o fato de dizer “Não sei por aonde ir”. Pois, ao dizer isto, ele figura um pedido de socorro. Mas, a quem?
Sou daqui e sei tão bem
Que o céu já se cansou de insistir
Nas coisas que não é capaz”
De onde é? Não importa, pois não há escapatória, não é um lugar agradável a ele. É uma prisão, encurralado por si, mesmo tendo a ajuda daquilo que considera superior, que, depois de muito tempo, desistiu de fazer dele algo melhor; seja fazendo com que sua percepção do que ele considera ser uma prisão mudasse, seja tentando o guiar para longe daquela praia deserta – e deserto neste caso, não significa sozinho, mas sem seu principal anseio.
Não sendo capaz disso, começa a chover, não pode mais segurar aquilo que tentava conter, deixando-o sem direção.
“Então tem dó de mim
Meu bem, não fique assim
A chuva trouxe o fim
O nosso fim”
Seu pedido se torna em súplica, pois o socorro que ele tanto necessita é apenas uma decisão daquilo que ele mais deseja, de seu precioso bem. Será isto o seu céu? O cansaço que desabrochou no fim do que havia entre ele e seu querer nada mais fez para continuar ao seu lado. Isso pode ter ocorrido tanto por não haver mais forças quanto por se sentir impotente, pois até aquilo que era majestoso e superior – sendo si próprio ou sendo algo ainda distinto – se sentisse ser incapaz.
Até neste ponto, não havia terceiros, não havia réplica em sua desesperada fuga das condições intermináveis. Então, em algumas batidas, representadas como a global dança da chuva, podendo simbolizar o nível da idolatria que sua mente atingiu, perante o foco da chuva ou de seu causador, fazem surgir outras duas vozes. Igualmente masculinas, elas sobrepõe a primeira, com dizeres muito mais duros e convictos, bradando na hipótese de que há ainda uma longa jornada até o destino final.
Lá fora chove
Chove lentamente, vigorosamente
Parece que a noite recua… e se acanha
Meu coração devaneia entre o passado e presente
E o futuro, quem sabe virá
Isto introduz um aspecto que aqui chamo de versão, pois é a partir daqui que ele tomará sua posição ofensiva da situação, de forma a se comportar como outro alterego. Neste momento, sua nova percepção faz com que mais distante fique da realidade externa do mundo em que vive. Onde a transposição de uma perda de sanidade para uma depressão é sutilmente separada.

Em
 United States of Tara, suas personalidade são alteradas de acordo com 
situações pesadas e dramáticas, que servem de gatilho para as 
incidências.Em psicologia, o fenômeno de se possuir várias  personalidades recebe uma classe chamada de distúrbio das múltiplas personalidades, onde é um dos mais complexos campos do ramo. A controvérsia em definir, mesmo entre os doutores desta ciência, um padrão distinguindo de fato as vítimas deste transtorno, sempre causou polêmica no meio artístico. Podemos citar desde filmes clássicos como As Três Faces de Eva (1957), retratando uma época onde até os psicólogos eram vistos com maus olhos pela sociedade, até séries que estão sendo feitas, como United States of Tara, onde uma mãe de família tem diversos problemas sociais por sofrer com esta doença mental.

Lá fora chove
O asfalto parece um espelho
Reflete meu corpo molhado
Molhado de saudade
Do amor que era e não foi compartilhado...
Lá fora chove e você?
Está refletindo sua luz aonde?
Nestas palavras, onde os instrumentos se intensificam, uma alternância ocorre. Ao pronunciar as palavras "Do amor que era e não foi compartilhado", sua posição de defesa se converte em um ataque questionador e justificativo, chegando a cobrar algo daquela que pode mesmo até não estar ouvindo este desabafo.
Sonhar, cantar e musicar...
É assim que sei...
Numa simples divagação ocorre a pausa do "Ato", assim compreendido pelo nome da música, onde a versão superior parece acalmar-se, como se nada mais havia para ser dito. A música termina ao som de um toque telefônico. Seria este toque a emersão de sua principal característica ao mundo externo? Ou ainda seria uma última tentativa de seu céu para contemplar a sanidade daquele que está preso à trégua do mar?

Esta música, cantada com maestria em caracterização, adaptação e referências tais que não pude citá-las todas, é uma ótima oportunidade para se compreender a necessidade de conhecer os aspectos da consciência humana, mesmo não sendo possível chegar a uma percepção real do que realmente ela é.

Se o passado soubesse de tudo, talvez não errasse tanto no presente e talvez não pensasse tanto no futuro.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O amor e seus temperamentos

“A experiência de sobrevivência é a chave
para a gravidade do amor.”
Esta frase, cantada majestosamente em Gravity of Love, interpreta de forma gloriosa e poderosa o que se baseia nossa existência, aquilo que somos e o que fazemos para ser. Pode ser em um amor de verão, pode ser em um grande projeto ou até mesmo em um jogo de pôquer. O fato que conduz todos esses eventos pode vir de diversas maneiras, mas há uma singularidade, é o que faz, de modo a posteriori,  intervir em nossas vidas; em intervir para que continuemos a seguir em frente.

Certo, não descreverei o que é  ou para o que serve o amor, muito menos ousarei tentar demonstrá-lo. Uma coisa é fato, todos o temos, pois se nem em Hurt, no final, há a falta de esperança, e a esperança é motivada pelo amor, como podemos negar que o importante no amor não é se temos ou o sentimos, e sim como o sentimos? Se é verdade que ele todos sentimos, e que sentimos de maneiras diferentes; então o que realmente importa é o que consagra e alimenta o amor, a combustão da realidade pejorada pela própria interpretação, não nossa, não de nosso consciente,  mas dele.
Sabemos como o amor faz as pessoas agirem, mas não podemos compreender o que leva ele a ter o controle, a condizer rastros de insanidade e brutalidade ao mesmo tempo em que é amadurecido e compreensivo. Mas, se há um combustível que é primordial em seu funcionamento, este é o fato. Quando digo fato, tento expressar as situações anormais que alteram sua forma, seu ponto de equilíbrio. Há muito tempo, um autor de uma das maiores obras sonoras contemporâneas sobre o assunto, conseguiu imprimir em simples dizeres o que chamo de fato quer realmente representar. E há alguns anos, conseguiram ombrear, de forma totalmente associativa, porém indiretamente, seu feito através de uma história, história esta que foi gravada e chamada de Antes que termine o dia (If Only).

Este filme, realizado em 2004, fala sobre intensidade e acomodação, ou seja, sobre o fato. Escreverei sobre o filme, o conciliando com a música, e demonstrarei o quão poderoso pode ser a manipulação de um sentimento a princípio puro e de claras intensões. Por favor, se não assistiu ao filme, não continue lendo.

A música começa com uma voz feminina dizendo:
“Vire-se,
e cheire o que você não vê,
feche os olhos,
está tão claro.”
Por quê virar? O que não vejo? Talvez essas são ordens dadas à aqueles que estão fartos, estão contemplando a inércia de suas vidas, as repetidas faces dos eventos diários. De mesmo modo, o filme inicia com um aspecto cotidiano, onde cada detalhe parece estar presente de forma categórica e maciça, como se fossem ditados por regras imutáveis de uma antiga convenção.
Conhecemos os dois coadjuvantes, instrumentos sólitos em conformidade com o passar de seus dias, porém, aquele dia, não era como os outros. O casal de coadjuvantes iria se separar por duas semanas, pois Samantha, namorada de Ian, iria viajar para longe, onde haveria um noivado na qual mesmo tendo ambos sido convidados, como um homem de negócios, Ian não poderia deixar de cumprir importantes agendas em sua cidade, estando segundo sua visão, impedido de ir junto.
Samantha o entendia, mesmo continuando sua insistência em persuadi-lo a estar presente, e como despedida, iria realizar um concerto que há três anos se preparava. O dia foi agitado, uma grande reunião esperava por ele, e isto o distraiu de tal importante demonstração de afeto e solidariedade de sua amada, esquecendo completamente o quão importante aquele dia era.
“Aqui está o espelho
Por trás há uma tela
Ambos os caminhos você pode seguir”
Todos temos opções, todos temos a oportunidade de toma-las, e o que nos difere não são as decisões que tomamos, e sim como as escolhemos. Podemos resolver um problema imediatamente ou podemos deixar ao relento contra o tempo. Todos estes problemas procrastinados pelo casal, mediante a grande contribuição de Ian, arrimado pelas suas distrações, tornou o final da noite, após vários problemas com os acontecimentos do dia, um espetáculo do desapontamento e sentimento de perda, interrompida por uma despedida agoniante e definitiva. Tudo dirigido por uma regência de sucessivas más escolhas desestimuladas por um já não tão ativo amor.
“No olho da tempestade você vê um pombo solitário'”
Após a trágica despedida daquela noite, em sua frente, Ian observa sua companheira partindo, nesse momento, a câmera o foca, mostrando-o com suas emoções alteradas, mostrando que o amor foi alimentado e que está atuando naquele momento, ou seja, ele está na tempestade, conturbado pelo ocorrido. Então, acontece, como uma grande explosão dos fatos ocorridos durante aquele dia, um acidente ocorre, e as forças daquele homem, que na manhã do mesmo dia, estava totalmente controlado por seu ego e coerência. Assim, morre Samantha.
“Oh furtuna, velut luna”
“Ó desgraça, como a da lua”, cantam as vozes de forma distante e vagarosa na música, com batidas de baterias violentas por trás, mas, qual a desgraça que sofre a lua? Talvez seja porquê rodea seu amado mundo, atraída por sua elegância e compostura, mas, mesmo tendo forças para tentar, não pode o alcançar, apenas pode lembrar de outrora, quando seu amado e ela eram partes de um só corpo. Hoje, as marcas permanecem e fincam em sua pele, a esperança já não existe, mas a gravidade ainda chama pela sua alma. As escolhas foram tomadas, o fato apenas seguiu o caminho na qual foi direcionado.
“Olhe ao seu redor, há só pessoas
Consegue ouvir a voz?
Encontre aquele que te guiará
Aos limites de sua escolha”
Horas antes do acidente, Ian encontra um homem, um taxista, que podemos simbolizar como um guia para as escolhas. Sua já preocupação pelos desastres daquele péssimo dia, foi identificada pelo motorista, que iniciou uma conversa, a princípio genérica, mas que depois se tornou em um conflitante choque de conselhos e exigências de respostas, estas que foram cruelmente indagadas aos passageiro. Ele o guiou até o local onde mais tarde se condensaria todos os problemas prestes a consumirem todo o combustível de amor que ele tem a ela, mas só por alguns momentos, momentos que faria ele se encontrar no olho da tempestade.
“Não pense duas vezes antes de ouvir seu coração
Siga o rastro de um novo começo”
Na manhã seguinte, ao acordar, sem nenhuma perspectiva de uma vida que se revigorará, Ian abre os olhos e encontra Samantha, ao seu lado, em uma manhã como qualquer outra. Não conseguindo de imediato entender o que ouve, Ian se assusta e rapidamente levanta de sua cama, ofegante, de forma a temorizar a mulher ao seu lado. Samantha, após o consolar com sua bondade sempre explícita na obra, volta para sua vida, porém, o que percebe aquele até então homem de negócios, é que tudo está se repetindo igual ao dia anterior, tudo em detalhes, mesmo que em ordem diferente, e isso, mais uma vez, reacende sua chama que na noite passada havia explodido e apagado. Ele, a partir dali, compromete-se em não refazer a mesma história.

Podemos perceber tal fantasia como uma segunda chance dada pelo amor, como um presente da esperança promovida pela necessidade de sair do olho da tempestade e alcançar os calmos mares além dela. São limites dados aqueles que guiam-nos pela vida. Mas quem são estes? Nossos amigos? Nossos planos finais? A visão de uma vitória? Cada um tem seu instrumento para trilhar seu próprio caminha e conhecer a energia que alterará tudo em si.
“O caminho da exceção te leva para a Torre da Sabedoria”
Após enfrentar todas as desavenças, seu coração está aberto, e assim ele mostra tudo aquilo que estava escondido no seu passado, ele realmente se entrega ao amor de sua vida, realmente habita na Torre da Sabedoria, pois agora ele age com seu discernimento criado pelo arder que está dentro de si. Ao final do dia, após conseguir tudo o que não conseguira anteriormente, ele ainda não se vê satisfeito, pois o taxista novamente aparece, desta vez sendo a última, apenas para fazer novamente a questão que tanto o afligiu, que desencadeou todos os fatos.
“A experiência de sobrevivência é a chave
para a gravidade do amor.”
Desta vez, sem pensar duas vezes, e no limite de sua escolha, ele vai ao rastro de um novo começo; de uma nova página. Ao entrar no carro, símbolo dos caminhos de sua vida, ele percebe, como foi dito no momento oportuno do dia inicial pelo taxista, que deverá entregar tudo o que é e tudo o que deseja ser para ela, pois esse é o seu desejo: Ser ele e ela um só corpo, uma só alma. Ao passar pela avenida, com a respiração entorpecida pelos pensamentos, que em comparação eram muitos, decide por unir-se a ela, quando o acidente novamente ocorre, morrendo, fazendo com que naquele momento, não se pudesse mais o chamar de homem de negócios.

A força do amor é apenas uma chave, apenas uma energia neutra que tem de ir para algum lugar, e este lugar somos nós quem escolhemos. Agora, mesmo depois de sua morte, o amor permanece diferente dentro dela, pois a esperança vive.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Entre enigmas e sutilezas

Enigma, dentre muitos significados, é um projeto musical de Michael Cretu, onde há muitos anos desenvolve música à sua maneira.
Não pretendo escrever muito sobre ele, pois é magnífico escutar suas músicas e raciocinar sobre, enquanto se deleita em seus aspectos únicos.
Falarei sobre sua música Sadeness Part I, que foi seu primeiro sucesso, porém não o maior. Mas, antes de começar, há algo que quero esclarecer, na qual muitos possuem uma triste concepção:

Enigma não é anticristo, seu projeto procura estabelecer a união entre as religiões, ou olhando de forma mais objetiva, ele procura encontrar o espírito humano como um ser que pode sempre melhorar. Tenta encontrar Deus por si só, independente da religião de quem o busca. Isso pode ser considerado tanto uma forma real e sólida de idealização quanto uma poesia. Apesar de suas músicas e vídeos musicais envolverem ao mesmo tempo erotismo e religião, há a opção de enxergá-lo como crítico de uma alma, mostrando o ponto de vista que ela tem. Como é o caso da música em que escreverei a seguir.
Cretu procura em suas obras mostrar seu próprio estado de espírito e as situações em que está vivendo e que deseja exprimir, livre assim de qualquer estilo musical, pois cada álbum reflete uma maneira diferente de representar sua arte.


Uma rápida apresentação...
Sadeness Part I foi o primeiro trabalho de sucesso no projeto Enigma. Em meados de 1990 começou a criar agitação na mídia e também no círculo de críticos. Esta música, como muitas de seu primeiro álbum MCMXC a.D., foi vetada em veículos televisivos como a MTV, porém sua repercussão global lhe rendeu discos de ouro em mais de 20 países.
A versão comentada é a Extended Trance Mix, na qual é a que compõe o clipe do single, onde há três outras versões: Radio Edit, Meditation Mix e Violent US Remix. Esta é a versão mais famosa.


Mas, o porquê de tanto alvoroço?
A música inicia com um canto gregoriano, entoado em latim, dizendo em seu primeiro verso:
Procedamus in pace
Nele, podemos encontrar um jogo de palavras, pois, a sua tradução significa Prosseguiremos em paz ou Vamos prosseguir em paz. Porém, a palavra Pace pode significar também, na língua inglesa, Marchar, mudando assim a frase para Prosseguiremos marchando ou Vamos prosseguir marchando. Esta alteração equívoca traz um sentido diferente para o próximo:
In nomine Christi, Amen
O segundo verso, traduzido para Em nome de Cristo, Amém, foi uma frase muito falada em todos os anos de domínio da Igreja Católica sobre a Europa, sendo que a primeira expressão, se utilizada com o termo marchar, pode induzir o ouvinte, principalmente se for sua língua materna for o inglês, a um erro na interpretação da tradução.
Os primeiros dois versos, executados ao calmo som de instrumentos de sopro modificados eletronicamente, traz o início do que parece ser mais uma simples composição lírica, de formato clássico. Porém, após o coro masculino dizer a última palavra, o som de batidas de uma bateria toma o espaço de tempo, introduzindo assim a primeira música européia de grande escala em popularidade, em que há a mistura do canto tradicional gregoriano e do até então pop moderno. Assim, com louvor, começa o estilo Enigma, de Michael Cretu.
A primeira vista isto parece ser um equívoco, ainda mais porque a letra do coro não foi escrita pelo produtor do disco, e sim por Konrad Roland, no álbum Paschale Mysterium, em 1976, na qual se baseou no capítulo bíblico de Salmos 24:7-8. O coro em si não possui nenhuma conotação sexual ou maléfica, expressando-se a paz de Deus, ou a marcha de Deus pela paz, como uma evangelização.

O colocamos agora no contexto da obra Sadeness:
Sadeness, que é um jogo de palavras, significa a fusão de Sade mais a palavra inglesa Sadness, que por sua vez significa “tristeza”. Sade é uma referência ao Marquês de Sade, um homem que, por toda a sua vida adulta, foi perseguido pela Igreja Católica e por Napoleão Bonaparte (leia-se França), pois seus livros, na época da revolução francesa, eram considerados blasfemos. Os ideais de Sade abrangiam temas de liberdade religiosa, sendo ele um adepto ao ateísmo, ao prazer na dor física ou moral do parceiro, e do homossexualismo, chegando a tentar humilhar o heterossexualismo. Apesar de ter em grande parte de sua vida o hospício como lar, ele foi um respeitado filósofo proeminente da luta pela liberdade sexual.
O clipe, produzido pelo próprio líder do projeto, apresenta um estudante, provavelmente Sade, que era uma pessoa normal e dedicada aos seus estudos quando jovem, acabando adormecendo cansado em meio aos seus escritos. O vídeo é interrompido e mostra o sonho do rapaz, que está em frente a um portão, com vários nus esculpidos neste, então, de súbito, aparece uma mulher seminua, séria, o chamando, em francês, de modo a tentar seduzi-lo. Ele permanece obcecado admirando os detalhes dos corpos, e após um tempo hipnotizado com os acontecimentos, ele abre o portão, observa a escuridão que há dentro dele, e tenta escapar, desaparecendo após alguns passos e sua antiga capa entra no portão. Vamos então há alguns versos-chave:

“Levantai, ó portas, vossas cabeças”
Ao dizer estas palavras, o coro ordena que as cabeças esculpidas, agora obtendo uma função de guardiãs, atentem e olhem para o jovem, entretanto, no clipe, elas permanecem imóveis.

"Sade, me diga
Sade, dai-me”
Estas palavras são continuamente repetidas pela mulher, que começa a cada vez mais a ficar ofegante, de forma e estar exausta no final do movimento, denotando claro poder de escolha, mesmo o pressionando, por parte de Sade.

“Sade, o que você procura?
O bem ou o mal?
A virtude no vício?”
Um homem, não mostrado no clipe, pergunta ao perplexo jovem o que ele realmente quer, pois tem de fazer a escolha, está à frente do portão. Seria esta voz a de um anjo? A de Deus? Ou a própria consciência de Sade?

"Se você é contra Deus, você é contra o homem"
Clara referência a tentação, onde esta frase foi muito pronunciada na idade média pelos católicos evangelizadores. Seria isso uma forma de dizer que, mesmo sem a escolha de Sade ser tomada, o questionador já saberia suas ações? Ou seria um pensamento autocrítico dele mesmo após, em mente, ter feito sua decisão?

"Sade, me diga, por que sangue por prazer? O prazer sem amor?"
Isso explicita o masoquismo, talvez já rondando os pensamentos de Sade, provavelmente  já tendo sido experimentado por ele.

"Em nome de Cristo, amém"
Aqui fica bem claro que a decisão já está tomada, e o que vai acontecer já está traçado. E com isto o coro se despede.

Vamos agora a outra parte, o porquê de Michael ter utilizado o trabalho de Konrad e escolhido bem esta estrofe da bíblia (Salmo 24):
1 ¶ [Salmo de Davi] Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.
2 Porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios.
3 ¶ Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no seu lugar santo?
4 Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente.
5 Este receberá a bênção do SENHOR e a justiça do Deus da sua salvação.
6 Esta é a geração daqueles que buscam, daqueles que buscam a tua face, ó Deus de Jacó. (Selá.)
7 ¶ Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória.
8 Quem é este Rei da Glória? O SENHOR forte e poderoso, o SENHOR poderoso na guerra.
9 Levantai, ó portas, as vossas cabeças, levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória.
10 Quem é este Rei da Glória? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória. (Selá.)
Quem é o Rei da Glória, quem é Deus? Quem é o Senhor? São essas as perguntas nas quais procurou responder em toda a sua vida; essas onde "apenas aquele que é limpo de mãos e puro de coração", que não se entrega a vaidade, pois ele era um Marquês, poderá encontrar.
As portas nesta música podem representar tanto a "Verdade sobre quem é o Senhor", quanto à verdade sobre "Quem sou", ou quem é aquele que sonhei hoje, quem está dentro de mim.
Na música diz: "Qual a sua religião?”, sendo adepto ao ateísmo, esta pergunta deixa a questão de "o porquê de ela ter sido feita", inexplicada:
Será que é Deus o dizendo para não seguir a religião? Pois ela é feita por homens, e a plenitude do Senhor só vem dele mesmo, através da passagem pelas portas.
Na bíblia diz sobre cabeças na porta, talvez aqueles nus na porta, na qual estavam tanto maravilhando Sade, sejam as vozes dizendo a ele quem é Deus, e o que ele quer. Talvez a capa vermelha seja a proteção de Deus em sua vida.
A partir do momento em que ele escolhe a sua carne, ou seja, a jovem tentadora nua o pressionando para escolher, entre o bem e o mal, pois Deus não pressiona ninguém, ele desaparece, e sua capa entra nos portões. Isto pode significar que ele "morreu" ou "desapareceu" para Deus, para a sua vida.
Mas aquilo era um sonho, e depois ele acorda, em cima de seus escritos, ou seja, provavelmente o seu primeiro livro considerado blasfemo contra a igreja. Se realmente for isso, isso significa que Deus o avisou, aquele sonho mostrava que Ele está acima das religiões, assim poderia O seguir se desejasse, bastava ouvir as vozes das cabeças no portão, mas, não foi essa sua escolha.
Esta música pode tanto ser considerada uma crítica a religião e aos seus atos passados, pois Cretu utiliza muito essa abordagem, mexer com as feridas do passado, como podemos ver em "Silent Warrior", quanto ser encarada como uma crítica de Deus para seus, para não olharmos aos atos dos homens que se dizem Representantes do Divino.
É fabulosa, onde sempre nos leva a perceber que temos Deus ao nosso lado até a última das consequências, mesmo em tempos de guerra, aliás: Sade estava nestes tempos, tanto interior, quanto exterior (revolução francesa, protestantismo...), e assim Deus o estava dizendo para continuar:
 "8 Quem é este Rei da Glória? O SENHOR forte e poderoso, o SENHOR poderoso na guerra."

Curiosidade:
O portão referido é uma das mais conhecidas esculturas francesas. Chamado de Porta do Inferno, de Auguste Rodin, a obra possui tanto O Beijo quanto o aclamado O pensador, tornando assim este projeto baseado na Divina Comédia de Dante um dos mais complexos e referenciais que admiro.

PS: Michael é heterossexual, foi muito bem casado por anos, e também nunca o vi expressar qual a sua verdadeira religião.

Ligações:
Marques de Sade
-Biografia de Marquês de Sade, para saber mais e ter fontes mais confiáveis, siga a ligação em inglês na página e assim as fontes que aparecerem.


Sadeness
-Enciclopédia em inglês, de onde tirei a maioria das informações.